terça-feira, 29 de setembro de 2009

Um pouco de Mario Sergio Cortela

AS IDEOLOGIAS MORRERAM MESMO?
De forma alguma. Ideologias são utopias, isto é, o desejo do “inédito viável”. Fica mais claro quando a vemos como um horizonte, tal como bem escreveu Eduardo Galeano [jornalista e escritor uruguaio]: "A utopia está lá no horizonte. Me aproximo dois passos, ela se afasta dois passos. Caminho dez passos e o horizonte corre dez passos. Por mais que eu caminhe, jamais alcançarei. Para que serve a utopia? Serve para isso: para que eu não deixe de caminhar".

O que você tem lido (livros, revistas interessantes), assistido (cinema e DVD) e ouvido (música)?
Sou um apreciador contumaz de biografias e, agora, mergulhei na “biografia de livros”, isto é, história e gênese de grandes obras literárias da humanidade. Há uma coleção da editora Jorge Zahar chamada Livros Que Mudaram o Mundo e dela já conclui a leitura de A Bíblia - Uma Biografia, de Karen Armstrong; Ilíada e Odisseia (ambas de Homero), de Alberto Manguel, e O Capital (de Marx), de Francis Wheen. No momento, estou quase terminando de ler O Corão - Uma Biografia, de Bruce Lawrence. Música, ouço o tempo todo, durante os voos, na espera nos aeroportos, nos deslocamentos terrestres. Quase sempre é Mozart (com prioridade para o Concerto 20 para Piano), Bach (cantatas, com total prioridade para a Cantata 140) e obras minimalistas de Philip Glass (com destaque para a trilha do filme Mishima).

Quais livros e filmes você indicaria para o internauta que quer começar a adquirir um repertório cultural?
obras pelas quais é preciso passear, não para demonstrar erudição inútil, mas como forma de partilhar o gênio humano em forma de texto. Algumas delas? A República, de Platão; Ética a Nicômaco, de Aristóteles; As Confissões, de Agostinho; Discurso do Método, de Descartes. No entanto, como pode ser árido no começo, vale visitar antes o livro Dicionário de Obras Filosóficas, de Denis Huisman, publicado no Brasil pela Martins Fontes. A partir dele a inspiração mais fundamentada ajudará o novo caminho. Se quiser, porém, algo mais inicial, há um livro que escrevi com Silmara Casadei, que se chama O Que é a Pergunta?, publicado pela Cortez. É um passeio na história humana em busca das grandes perguntas e dos grandes perguntadores. Filmes são centenas, mas o princípio agradável é aquele que instiga e provoca, como Ran, de Akira Kurosawa; Amarcord, de Fellini, ou Zardoz, de John Boorman.
Disponível em http://vocesa.abril.com.br


MARIO SERGIO CORTELLA é filósofo com mestrado e doutorado em educação pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP), na qual é professor titular do Departamento de Fundamentos da Educação e da Pós-Graduação em Educação desde 1977. Atuou por 32 anos também no Departamento de Teologia e Ciências da Religião na mesma universidade. É docente convidado da Fundação Dom Cabral e do GVpec da FGV-SP. Foi secretário municipal de Educação de São Paulo (1991-1992). É autor, entre outras obras, de A Escola e o Conhecimento (Cortez), Nos Labirintos da Moral, com Yves de La Taille (Papirus), Não Espere Pelo Epitáfio: Provocações Filosóficas (Vozes), Não Nascemos Prontos! (Vozes), Sobre a Esperança: Diálogo, com Frei Betto (Papirus), O que é a Pergunta?, com Silmara Casadei (Cortez), Liderança em Foco, com Eugênio Mussak (Papirus) e Qual é a Tua Obra? Inquietações Propositivas sobre Gestão, Liderança e Ética (Vozes).

terça-feira, 15 de setembro de 2009

A alegria de ser educador...

“A experiência docente de que a discente não se separa é uma experiência alegre por natureza. É falso também tomar como inconciliáveis seriedade docente e alegria, como se a alegria fosse inimiga da rigoridade. Pelo contrário, quanto mais metodicamente rigoroso me torno na minha busca e na minha docência, tanto mais alegre e esperançoso também. A alegria não chega apenas no encontro do achado mas faz parte do processo da busca. E ensinar e aprender não podem dar-se fora da procura, fora da boniteza e da alegria. O desrespeito à educação, aos educandos, aos educadores e às educadoras corrói ou deteriora em nós, de um lado, a sensibilidade ou a abertura ao bem querer da própria prática educativa de outro, a alegria necessária ao que-fazer docente. É digna de nota a capacidade que tem a experiência pedagógica para despertar, estimular e desenvolver em nós o gosto de querer bem e o gosto da alegria sem a qual a prática educativa perde o sentido”. (Paulo Freire/Pedagogia da Autonomia)

domingo, 13 de setembro de 2009

A educação para Freire

"Não existe processo educacional neutro. A educação ou funciona como um instrumento para facilitar a integração das gerações na lógica do sistema atual e assimilar conformismo, ou se transforma na prática da liberdade, a maneira de fazer homens e mulheres lidarem criticamente com a realidade e descobrirem como participar na transformação de seu mundo." Paulo Freire

Paulo Freire e Carlos Alberto Torres - Entrevista

Carlos Alberto Torres - Existe um concenso entre os biógrafos e estudiosos de seu trabalho de que foram suas primeiras experiências com treinamento em alfabetização, particularmente, a experiência em Sergipe, Rio Grande do Norte, em 1963, que projetaram seu nome e parrticularmente seu projeto epistemológico e pedagógico no mundo. Nesta conversa, contudo, é seu trabalho como pesquisador e professor universitário que nos interessa. Sua agenda de pesquisa tem estado intimamente relacionada com Pedagogia do Oprimido. Vocë poderia nos dizer como decidiu escrever aquele livro tão fecundo, com que propósitos e como o mesmo foi concebido?


Paulo Freire - Bem, no Chile, eu comecei a criar um hábito que não tinha até então - isto é, o de sempre carregar em minha pasta um caderno com folhas em branco. Sempre que tinha uma idéia - seja lá qual fosse, pois tratava-se de algo que explodia em minha cabeça repentinamente na rua - eu parava na esquina, abria minha pasta e tirava de lá uma folha de papel e escrevia o que estava pensando. Quando chegava em casa à noite, depois do jantar, eu ia para meu escritório e lá tirava os pedaços de papel da pasta, relia-os, inspirava-me e então escrevia.


Torres - Você acha que as categorias de dominação e opressão são mais gerais do que a categoria da exploração? Serão elas mais universais?
Freire - Eu acredito que uma implica a outra; quando você domina você explora. O que pode-se dizer é que não pode haver exploração sem dominação e não pode haver dominação que não implique um certo grau de exploração. Isso pode, por exemplo, ser puramente mental, psicológico. Você domina seu filho ou sua filha, por exemplo. Não tem nada a ver com a realidade econômica dele (a). É possível até que você o (a) proíba de crescer economicamente. Durante a adolescência de seu (sua) filho (a), seu domínio sobre a mente e corpo dele (a) é autoritário. Você interdita - para usar uma expressão que minha esposa Nita gosta. Você interdita no corpo consciente dele (a), você é um dominador e você o (a) explora. Mas é a exploração de seu (sua) filho (a) e ela não é econômica. Trata-se de uma exploração afetiva, por exemplo, é uma exploração de sentimentos. Fundamentalmente você quer alguma coisa dele ou dela. Por exemplo, é
possível dizer que você deseja uma espécie e subserviência afetiva. Acredito que quanto mais esclarecermos essas direfentes possibilidades de dominação e exploração - os "o quê" e os "porquês" - melhor compreenderemos os fenômenos . Agora, no domínio de classe, temos a exploração econômica, ou a
discriminação social ou cultural. Uma vez que você domine enquanto classe, do ponto de vista econômico, você necessariamente aceita uma identidade cultural que também envolve o afetivo, os sentimentos e as emoções dos dominados.
Por exemplo, tudo isso tem a ver, embora em termos distintos, com a dominação doméstica - o domínio por vezes do marido sobre a esposa. Em outras palavras, trata-se de uma dominação na qual o marido faz questão de não permitir que a esposa se liberte economicamente, por exemplo.


Torres - Quando você se refere à busca, você quer dizer a busca pelo conhecimento. Essa busca por conhecimento é baseada na curiosidade, as sementes epistemológicas da ciência?


Freire - Sim, curiosidade. É isso que eu respondi numa de nossas entrevistas quando você perguntou "E quando Paulo Freire morrer, o que ficará como seu legado?", e eu disse: "O legado para mim é fundamental. Não se trata do que eu fiz de um ponto de vista intelectual, e sim o testemunho de minha existência. Deveria-se dizer que Paulo Freire amava intensamente, e queria saber e compreender. Isso significa dizer, sua sede de conhecimento é resultado do fato de que ele sempre foi uma pessoa muito curiosa". Eu acho que é isso que deve ficar. Marx era assim - e há alguns de nós no mundo dos quais poderia dizer-se o mesmo, certo? - porque ele era uma pessoa que , com todos os seus problemas - e acredito que as pessoas são pessoas - exercitava bem sua inteligência. Ele queria saber sobre tudo e é uma pessoa que merece reconhecimento. Assim, ler suas cartas é maravilhoso. Contudo, nunca me esquecerei da raiva que ele tinha de alguns marxistas franceses, ou fascistas, como eu diria hoje. Uma vez ele disse algo assim: "Olha, a única coisa que eu sei é que eu não sou marxista". Isso é um senso extraordinário de radicalismo, de bom senso, da pessoa que se recusa a petrificar-se.


Disponível em Revista Pátio Ano I, Nº2, out/1997

Paulo Freire e Antonio Gramsci - Aproximação Possível


PAULO FREIRE E ANTONIO GRAMSCI OU A FILOSOFIA DA PRAXIS NA AÇÃO PEDAGÓGICA

Peri Mesquida – Mestrado em Educação – PUCPR
Silvana Regina O. Rossete – Mestranda em educação – PUCPR
Geralda de Fátima Paschoal – Mestranda em educação – PUCPR.

Resumo
Durante sua permanência no Chile (1964 – 1969), Paulo Freire se reencontrou com o materialismo dialético e histórico e aprofundou as leituras das obras de Karl Marx e Friederich Engels. No entanto, entre os autores marxistas com os quais entrou em contato quem mais o impressionou foi Antonio Gramsci (1893 – 1937). Iremos, pois, nesta comunicação, aproximar conceitos de Gramsci com outros de Paulo Freire (1921 – 1997), à luz, no caso de Freire, da obra intitulada “Pedagogia do Oprimido” e, no que diz respeito a Gramsci, usaremos os “Quaderni del carcere”, edição de 1975. Freire começou a refletir sobre a educação e a colocar em prática suas idéias pedagógicas a partir, em especial, da metade da década de 1950, enquanto Gramsci, italiano, desenvolveu sua obra política, sociológica e filosófica, em particular, de 1916 a 1937. Freire centrou sua atenção sobre aqueles que ele chamava de “oprimidos” do capitalismo periférico, isto é, sobre aqueles a quem a
“palavra havia sido negada”; Gramsci centrou sua reflexão e sua ação, particularmente, sobre os operários italianos e sobre os que sofriam a opressão facista na Itália. Tanto em um caso quanto no outro, tratava-se do Estado utilizando continuamente a força (coerção) e às vezes a persuasão (formação da mentalidade) para exercitar o poder de maneira a não ter qualquer tipo de oposição; Freire buscou em autores, sobretudo europeus, mas também norte-americanos (Horace Mann, J. Dewey), as idéias que poderiam lhe oferecer elementos teóricos sólidos para construir um “edifício’ epistemológico capaz dar sustentação a uma teoria da educação que tivesse condições de nutrir uma prática pedagógica libertadora; Gramsci buscou as categorias filosóficas e sociológicas que serviram de base para sua reflexão e sua ação, particularmente em Karl Marx, F. Engels, e Lênin.
Palavras-chave: educação, filosofia da práxis, pedagogia, libertação.

Texto apresentado no EDUCERE/2006/PUCPR. Disponível em http://www.pucpr.br/

domingo, 6 de setembro de 2009

Paulo Freire: UTOPIA E ESPERANÇA por Mario Sergio Cortela

ILUSÃO DE ÉTICA

Dez anos já se passaram desde que, no final da madrugada de 2 de maio de 1997 (uma sexta-feira, dia chamado de veneris no calendário romano da Antigüidade, em homenagem a Vênus, deusa do Amor...), aconteceu a morte do corpo de Paulo Freire. Dez sem ouvir, de viva voz, o Mestre nos alertando para os riscos da complacência política e da conivência ingênua.
Dez anos sem escutar, dito por ele mesmo, um verbo que preciosamente inventara: “miopisar”. Em Paris, em 1986, ao receber o Prêmio Educação para a Paz da Unesco disse: “De anônimas gentes, sofridas gentes, exploradas gentes aprendi, sobretudo, que a paz é fundamental, indispensável, mas que a paz implica lutar por ela. A paz se cria, se constrói na e pela superação de realidades sociais perversas. A paz se cria, se constrói na construção incessante da justiça social. Por isso, não creio em nenhum esforço chamado de educação para a paz que, em lugar de desvelar o mundo das injustiças, o torna opaco e tenta miopisar as suas vítimas”.
Miopisar! Deixar míope, dificultar a visão, distorcer o foco. Isso nos lembra a conjuntura atual da República brasileira, na qual muitos daqueles aos quais cabe constitucionalmente a tarefa de proteger a Justiça, a Democracia e a Cidadania, fraturam a honradez e a legitimidade social, impondo, mais do que uma ilusão de ótica, uma ilusão de Ética. É a transformação em “normal” de uma opaca ética do vale-tudo, do uso privado dos recursos públicos, do exercício da autoridade legislativa para tungar benesses particulares, da outorga judiciária para obter a locupletação exclusiva.
É claro que a incúria, a malversação, a prevaricação, a fraude e a negligência são temas cotidianos e recorrentes durante toda a nossa história, mas, não precisam continuar sendo... E, só não o serão mais se não os considerarmos como inevitáveis, naturais ou, até, normais. A novidade, porém, é que, no momento em que há mais divulgação e mecanismos legais de defesa contra tais desmandos e tresvarios, parece que o espaço pedagógico não vem tocando muito nesses temas (que não são nada transversais ou oblíquos e, sim, centrais e primordiais).
Paulo Freire ficaria fraternalmente irado! Irado com o entorpecimento que acomete muitas e muitos de nós que atuamos em Educação; ele com certeza brandiria a Pedagogia da indignação contra a eventual demora em transformar esse contexto nacional eticamente turbulento em um tema-gerador diário de nossa reflexão na comunidade escolar, de modo a favorecermos a rejeição ao fatalismo e à cumplicidade involuntária. É provável, também, que nosso saudoso educador pernambucano nos relembrasse que “a melhor maneira que a gente tem de fazer possível amanhã alguma coisa que não é possível de ser feita hoje, é fazer hoje aquilo que hoje pode ser feito. Mas se eu não fizer hoje o que hoje pode ser feito e tentar fazer hoje o que hoje não pode ser feito, dificilmente eu faço amanhã o que hoje também não pude fazer...”.

sexta-feira, 4 de setembro de 2009

O diálogo para Freire

“Como posso dialogar, se alieno a ignorância, isto é, se a vejo sempre no outro, nunca em mim?
Como posso dialogar, se me admito como um homem diferente, virtuoso por herança, diante dos outros, meros “isto”, em quem não reconheço ‘outros’ eu?
Como posso dialogar, se me sinto participante de um gueto de homens puros, donos da verdade e do saber, para quem todos os que estão fora são “essa gente”, ou são “nativos inferiores”?
Como posso dialogar, se parto de que ‘pronúncia’do mundo é tarefa de homens seletos e que a presença das massas na história é sinal de sua deterioração que devo evitar?
Como posso dialogar, se me fecho à contribuição dos outros que jamais reconheço, e até me sinto ofendido com ela?
Como posso dialogar, se temo a superação e se, só em pensar nela, sofro e definho?” Paulo Freire - Pedagogia do Oprimido

A escola para Freire

“Não posso pensar-me progressista se entendo o espaço da escola como algo meio neutro, com pouco ou quase nada a ver com a luta de classes, em que os alunos são vistos apenas como aprendizes de certos objetos de conhecimento aos quais empresto um poder mágico. Não posso reconhecer os limites da prática educativo-política em que me envolvo se não sei, se não estou claro em face de a favor de quem pratico" (Paulo Freire)

CANÇÃO ÓBVIA

Escolhi a sombra desta árvore para
repousar do muito que farei,
enquanto esperarei por ti.
Quem espera na pura espera
vive um tempo de espera vã.
Por isto, enquanto te espero
trabalharei os campos e
conversarei com os homens
Suarei meu corpo, que o sol queimará;
minhas mãos ficarão calejadas;
meus pés aprenderão o mistério dos caminhos;
meus ouvidos ouvirão mais,
meus olhos verão o que antes não viam,
enquanto esperarei por ti.
Não te esperarei na pura espera
porque o meu tempo de espera é um
tempo de quefazer.
Desconfiarei daqueles que virão dizer-me,
em voz baixa e precavidos:
É perigoso agir
É perigoso falar
É perigoso andar
É perigoso esperar, na forma em que esperas,
porquê esses recusam a alegria de tua chegada.
Desconfiarei também daqueles que virão dizer-me,
com palavras fáceis, que já chegaste,
porque esses, ao anunciar-te ingenuamente ,
antes te denunciam.
Estarei preparando a tua chegada
como o jardineiro prepara o jardim
para a rosa que se abrirá na primavera.



Paulo Freire
Genebra, março 1971.

Aprender sempre...

A primeira postagem a gente nunca esquece... Depois de alguns anos, meses, dias, e muito pensar, decidi abrir esse espaço motivada pela minha grande amiga Rosemeire Bassi que registra em seu blog suas viagens, suas esperanças, suas idéias, e muito sobre educação. Esse blog nasce do desejo de compartilhar ideias e pensamentos clássicos e contemporâneos relacionados à práxis educativa bem como refletir sobre a educação na atualidade brasileira. Projetos, artigos e informações serão bem-vindos!