domingo, 13 de setembro de 2009

Paulo Freire e Carlos Alberto Torres - Entrevista

Carlos Alberto Torres - Existe um concenso entre os biógrafos e estudiosos de seu trabalho de que foram suas primeiras experiências com treinamento em alfabetização, particularmente, a experiência em Sergipe, Rio Grande do Norte, em 1963, que projetaram seu nome e parrticularmente seu projeto epistemológico e pedagógico no mundo. Nesta conversa, contudo, é seu trabalho como pesquisador e professor universitário que nos interessa. Sua agenda de pesquisa tem estado intimamente relacionada com Pedagogia do Oprimido. Vocë poderia nos dizer como decidiu escrever aquele livro tão fecundo, com que propósitos e como o mesmo foi concebido?


Paulo Freire - Bem, no Chile, eu comecei a criar um hábito que não tinha até então - isto é, o de sempre carregar em minha pasta um caderno com folhas em branco. Sempre que tinha uma idéia - seja lá qual fosse, pois tratava-se de algo que explodia em minha cabeça repentinamente na rua - eu parava na esquina, abria minha pasta e tirava de lá uma folha de papel e escrevia o que estava pensando. Quando chegava em casa à noite, depois do jantar, eu ia para meu escritório e lá tirava os pedaços de papel da pasta, relia-os, inspirava-me e então escrevia.


Torres - Você acha que as categorias de dominação e opressão são mais gerais do que a categoria da exploração? Serão elas mais universais?
Freire - Eu acredito que uma implica a outra; quando você domina você explora. O que pode-se dizer é que não pode haver exploração sem dominação e não pode haver dominação que não implique um certo grau de exploração. Isso pode, por exemplo, ser puramente mental, psicológico. Você domina seu filho ou sua filha, por exemplo. Não tem nada a ver com a realidade econômica dele (a). É possível até que você o (a) proíba de crescer economicamente. Durante a adolescência de seu (sua) filho (a), seu domínio sobre a mente e corpo dele (a) é autoritário. Você interdita - para usar uma expressão que minha esposa Nita gosta. Você interdita no corpo consciente dele (a), você é um dominador e você o (a) explora. Mas é a exploração de seu (sua) filho (a) e ela não é econômica. Trata-se de uma exploração afetiva, por exemplo, é uma exploração de sentimentos. Fundamentalmente você quer alguma coisa dele ou dela. Por exemplo, é
possível dizer que você deseja uma espécie e subserviência afetiva. Acredito que quanto mais esclarecermos essas direfentes possibilidades de dominação e exploração - os "o quê" e os "porquês" - melhor compreenderemos os fenômenos . Agora, no domínio de classe, temos a exploração econômica, ou a
discriminação social ou cultural. Uma vez que você domine enquanto classe, do ponto de vista econômico, você necessariamente aceita uma identidade cultural que também envolve o afetivo, os sentimentos e as emoções dos dominados.
Por exemplo, tudo isso tem a ver, embora em termos distintos, com a dominação doméstica - o domínio por vezes do marido sobre a esposa. Em outras palavras, trata-se de uma dominação na qual o marido faz questão de não permitir que a esposa se liberte economicamente, por exemplo.


Torres - Quando você se refere à busca, você quer dizer a busca pelo conhecimento. Essa busca por conhecimento é baseada na curiosidade, as sementes epistemológicas da ciência?


Freire - Sim, curiosidade. É isso que eu respondi numa de nossas entrevistas quando você perguntou "E quando Paulo Freire morrer, o que ficará como seu legado?", e eu disse: "O legado para mim é fundamental. Não se trata do que eu fiz de um ponto de vista intelectual, e sim o testemunho de minha existência. Deveria-se dizer que Paulo Freire amava intensamente, e queria saber e compreender. Isso significa dizer, sua sede de conhecimento é resultado do fato de que ele sempre foi uma pessoa muito curiosa". Eu acho que é isso que deve ficar. Marx era assim - e há alguns de nós no mundo dos quais poderia dizer-se o mesmo, certo? - porque ele era uma pessoa que , com todos os seus problemas - e acredito que as pessoas são pessoas - exercitava bem sua inteligência. Ele queria saber sobre tudo e é uma pessoa que merece reconhecimento. Assim, ler suas cartas é maravilhoso. Contudo, nunca me esquecerei da raiva que ele tinha de alguns marxistas franceses, ou fascistas, como eu diria hoje. Uma vez ele disse algo assim: "Olha, a única coisa que eu sei é que eu não sou marxista". Isso é um senso extraordinário de radicalismo, de bom senso, da pessoa que se recusa a petrificar-se.


Disponível em Revista Pátio Ano I, Nº2, out/1997

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