domingo, 6 de setembro de 2009

Paulo Freire: UTOPIA E ESPERANÇA por Mario Sergio Cortela

ILUSÃO DE ÉTICA

Dez anos já se passaram desde que, no final da madrugada de 2 de maio de 1997 (uma sexta-feira, dia chamado de veneris no calendário romano da Antigüidade, em homenagem a Vênus, deusa do Amor...), aconteceu a morte do corpo de Paulo Freire. Dez sem ouvir, de viva voz, o Mestre nos alertando para os riscos da complacência política e da conivência ingênua.
Dez anos sem escutar, dito por ele mesmo, um verbo que preciosamente inventara: “miopisar”. Em Paris, em 1986, ao receber o Prêmio Educação para a Paz da Unesco disse: “De anônimas gentes, sofridas gentes, exploradas gentes aprendi, sobretudo, que a paz é fundamental, indispensável, mas que a paz implica lutar por ela. A paz se cria, se constrói na e pela superação de realidades sociais perversas. A paz se cria, se constrói na construção incessante da justiça social. Por isso, não creio em nenhum esforço chamado de educação para a paz que, em lugar de desvelar o mundo das injustiças, o torna opaco e tenta miopisar as suas vítimas”.
Miopisar! Deixar míope, dificultar a visão, distorcer o foco. Isso nos lembra a conjuntura atual da República brasileira, na qual muitos daqueles aos quais cabe constitucionalmente a tarefa de proteger a Justiça, a Democracia e a Cidadania, fraturam a honradez e a legitimidade social, impondo, mais do que uma ilusão de ótica, uma ilusão de Ética. É a transformação em “normal” de uma opaca ética do vale-tudo, do uso privado dos recursos públicos, do exercício da autoridade legislativa para tungar benesses particulares, da outorga judiciária para obter a locupletação exclusiva.
É claro que a incúria, a malversação, a prevaricação, a fraude e a negligência são temas cotidianos e recorrentes durante toda a nossa história, mas, não precisam continuar sendo... E, só não o serão mais se não os considerarmos como inevitáveis, naturais ou, até, normais. A novidade, porém, é que, no momento em que há mais divulgação e mecanismos legais de defesa contra tais desmandos e tresvarios, parece que o espaço pedagógico não vem tocando muito nesses temas (que não são nada transversais ou oblíquos e, sim, centrais e primordiais).
Paulo Freire ficaria fraternalmente irado! Irado com o entorpecimento que acomete muitas e muitos de nós que atuamos em Educação; ele com certeza brandiria a Pedagogia da indignação contra a eventual demora em transformar esse contexto nacional eticamente turbulento em um tema-gerador diário de nossa reflexão na comunidade escolar, de modo a favorecermos a rejeição ao fatalismo e à cumplicidade involuntária. É provável, também, que nosso saudoso educador pernambucano nos relembrasse que “a melhor maneira que a gente tem de fazer possível amanhã alguma coisa que não é possível de ser feita hoje, é fazer hoje aquilo que hoje pode ser feito. Mas se eu não fizer hoje o que hoje pode ser feito e tentar fazer hoje o que hoje não pode ser feito, dificilmente eu faço amanhã o que hoje também não pude fazer...”.

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